Neste Natal



Neste Natal
recuso-me a ser superficial
não quero as conversas fáticas
nem as relações fálicas
quero a intensidade, o apego
embora tenha medo

Neste Natal
recuso os preconceitos, o desprezo
quero ser diverso e igual
como verso impresso e digital
como o sorriso negro e virginal
embora seja leigo

Neste Natal
recuso a espera eterna
que me caiba o antigo jeans
a crença de que a ortografia
com o trema melhor ficaria
e a coluna do meio, pois sou inteiro

Neste Natal
recuso-me a ser posseiro
não tenho fama nem dinheiro
quero andar descalço na grama
mas sem pisar no formigueiro
dar boas vindas à mudança
pois é chato ser o mesmo

Neste Natal
recuso-me a me depreciar
se eu não me poupar, quem o fará?
aprendi que se amar não é só incumbência
mas também sobrevivência
nisso eu creio

Neste Natal
quero um novo lema
apesar das perdas, tudo me acena
não quero a pena nem a queixa
nada que me anoiteça
ainda que seja o final da cena
e o umbral do poema...


"A Sagrada Família Canigiani", Rafael, 1508.

coração de leão


essa fortaleza que vês é pele
essa dureza que vês são só ossos
essa firmeza apenas tendões

profundo e protegido é o
coração
núcleo destemido, ferido
de leão


"A Fallen Tree Trunk", Camuccini, 1850.

Poesia minha no Fio de Ariadne


Olá amigos do blog!

Teci o fio de Ariadne hoje! Passem por lá e prestigiem essa bela iniciativa da Vanessa de publicar poesia em uma época tão pragmática como a nossa. O blog Fio de Ariadne tem várias iniciativas interessantes! Segue o link:


Abraços a todos!

Farfallina

dezembro


sempre chove em dezembro

não importam os cumprimentos
o tempo, o advento

sempre chove em dezembro


"Morning on the Seine in the Rain", Monet, 1898.

pele


nada
te impede
tudo
te impele

a pele
pede


"Back of a Seated Nude", Rivera, 1926.

libélula


Lila,
a libélula,
leva a vida
livre e bela
lava a pele
se embeleza

ali vai ela
que não vive
numa cela
elevar-se leve
lá na tulipa
amarela
...


"Poppy Flowers", Van Gogh, 1887.

Levity

 
I've never seen
such a delicacy
on the bonsai
lies a butterfly

"Butterfly", Andy Warhol, 1983.


*publicado também em http://myenglish-poems.blogspot.com

eucalipto


pus o que sinto
na copa de um eucalipto
entre o ínfimo e o infinito
o equilíbrio

"Two Poplars on a Road through the Hills", Van Gogh, 1890.

a canoa


a canoa
sem remos
entoa
o silêncio
serena
na lagoa
ôca
una
à tôa


"Le Bateau-atelier", Monet, 1874.

maria


maria sempre quis
que a chamassem flor de lis
mas ninguém diz, ninguém diz


pobre maria que não sorri
deixou que seu nome
a determinasse infeliz


e assim foi. fim.


"La Magie Noire", Magritte, 1935.

a montanha


a montanha medonha
mantém a manha
com a manta tamanha
toma distância


"The Valley of the Nervia", Monet, 1884.

*Tragedy on Morgue Street





a glass of wine and a knife
he wasn´t a glad valentine

"The Boulevard Montmartre at Night, 1897.


Publicado também em: http://myenglish-poems.blogspot.com

a minha dor é minha dor


a minha dor é minha
a dor me adora
não me deixa sozinha

a minha dor é maior
que a da Dora
a dor é minha

que bom seria

dormir dormente
como quem nada sente
no peito e na mente

a dor sairia

um dia
eu vi a dor
e a dor
sorria
ria só
pois era só

minha

"Desnudo con alcatraces", Rivera, 1944.

Ariane



quando estiveres insone
quando pensares nas regras e ditames
chame por meu nome


quando estiveres perdido e errante
se não houver quem o ame
apenas chame o meu nome


quando a dor for bastante
ou a alegria constante
não hesite, me chame


e se eu estiver distante
e mesmo que tuas mãos não me alcancem
teus olhos não me encontrem
e tudo te abandone
chame o meu nome


nem que seja por um instante
ou doravante
Ariane, Ariane ...


"The Milkmaid", Vermeer, 1560.

dissonante

acordes dissonantes
sufocam
suportam
o que eu sinto
nos ombros do meu violino


"O Violinista Azul", Chagall, 1947.


clandestino


amo-te com minhas estranhas entranhas
e com as vísceras não vistas

amo-te com meus fluidos sem uso
e com a saliva esquiva

amo-te com minhas veias e artérias
alheia e etérea

amo-te com minhas amígdalas
protegida escondida

e amo-te como quem dorme
e amo-te como quem foge



"Tulips field in Holland", Monet, 1886.

excuses


it would be too easy
if I wasn't busy

it would be so cool
if I wasn't fool

it would be nice
if I wasn't quiet

it would be so glad
if I wasn't depressed

it would be terrific
if I wasn't sick

it would be safe
if I wasn't afraid

it would be pretty great
if I wasn't passionate



"Adolescence", Petrov-Vodkin, 1913.

B612


tenho um amor antigo e inútil
amor amigo e fútil
um amor platônico
que voa num avião supersônico

para uma longínqua galáxia
onde há cometas e estrelas
onde são distantes gametas
dessa íntima terráquea



(Poema a quem acredita no principezinho...)
"Boreas", Waterhouse, 1903.

fear


I'm facing my fear
I don't wanna frame a lie
I'm the one who cries
after dries the tears

I'm facing my fear
I'm leaving behind
entirely the tries
I suffered to clear

facing my fear
like a butterfly
which is still lying
in a caterpillar



"The Concert", Chagall, 1957.

time


as time passes by
people come to life
as time passes fast
people come to death

as time grows old
we get so
less
instead
"Meditative Rose", Dali, 1958.

insônia III



alta madrugada
madruga na calçada
eu ainda acordada
e a noite é quase nada




"The Artist in His Studio", Rembrandt, 1692.

veredas



não importa se direita
ou esquerda
as veredas que adentro
são estreitas

"Nude woman drying her foot", Degas, 1886.

poema fraternal



Caim e Abel
Van Gogh e Theo

Como buscar o elo perdido
entre dois filhos?

Como ir de mãos dadas
almas tão fragmentadas?



"Cypresses with Two Female Figures", Van Gogh, 1889.

apenas



apenas
um
apenas

um
apenas

um


"La espera", Gambartes, 1960.

Down



que mau
o meu baixo astral
que mal

eu ando tão down
eu ando tão down




"Tristeza do Rei", Matisse, 1952.

abraço




às vezes meus braços são de aço
às vezes são só laços
e são, às vezes, sem embaraço
meu próprio baço

e mesmo assim

só caçam ossos, o cálcio de outros braços
para cessar os traços dos espaços
no estrado, no colágeno
por um breve e bravo instante

no tácito e impávido teu abraço




"Fulfillment", detail of "Tree of life", Klimt, 1909.

vitória-régia


por que me atraem os solos áridos
com suas pedras e cactus?

não por que sou uma bromélia
briófita sentinela

que sempre estou à espera de um sedento
perdido em campo ermo

e sendo eu aquela de úmidas pétalas
uma miúda vitória régia

que seguirei meu destino
nas superfícies de um sereno rio...




"Women by the water", Seurat,?.

flores incógnitas


por que insisto em ofertar gérberas
se continuam a lançar pedras?

por que cultivo margaridas
num terreno de tantas feridas?

por que semeio girassóis
buscando um calor que me corrói?

por que adoro violetas
em meio às cores neutras?

por que busco tulipas
num deserto à míngua?

por que tenho uma flor de lótus
cercada de destroços?

por que me sorriem orquídeas
nas paredes demolidas?

por que me chamam as rosas
à tela de natureza morta?

por que conservo um jardim
no estrato mais estúpido de mim?




"Poppy Field at Vetheuil", Monet, 1879.

silêncio



eu amei o silêncio
o amei mais que pude
até certo tempo

e ele falava
falava mais que todo mundo
e tinha um defeito

o silêncio não silenciava
e todas as suas sílabas
tinham acento

sua voz sibilante
sussurrava, sussurrava
com o vento

e toda vez que ela passa
deixa algo doendo
desalento...

silêncio aqui dentro



"Still Life with Skull", Cézanne, 1900.

briga com um poema



Eu briguei com um poema
Um poema sem morfema
Que a mente não traduzia
Nem à pena nada dizia...

Ahh eu nunca fiquei de mal de ninguém!
Por que será que esse poema não engrena?

Um poema assim tão grande
Mas que só em mim se expande e não além?

Ai ai, eu não sou de intriga, Dona Poesia!
Façamos as pazes
Encontremos as frases
Que tudo vai bem...



"A Childhood Idyll", Bouguereau, 1900.

I am blue today


I am blue today
why can't I say

I hear his voice
so loud and tough

and all I say
is I am blue today



"Campo de trigo com corvos", Van Gogh, 1890.

minotauro


em mim o que sinto
é como um duelo
no labirinto
criado por Dédalo

nele vive o minotauro
e eu não sou Teseu
eu sou apenas eu
não me convém matá-lo




"São Francisco em êxtase", Caravaggio, 1595.

cantador


eu canto a dor
porque também é para se cantar
e a dor me (n) canta


"Woman Bathing her Feet in a Brook", Pissarro, 1895.

postcard


Yesterday I was at the beach.
It was the end of the afternoon
and in my face I could feel the breeze.

The waves were small and calm as I was.
There weren´t clouds in the sky
and I could see
the horizon while
birds were crossing it.

The weather was warm and dry.
Blue light was the sea
contrasting with the white
sand under my feet.

I thought that everything was perfect,
but you were not there for me!



"Sunset at the sea", Renoir, 1879.

tesouro



buscava meu fiho um tesouro sob a cama
não encontrou nada valioso
(por suposto)
somente um brilhante besouro
que satisfez seus olhinhos de criança



"Menino do papagaio", Portinari, 1954.

o muro



no tubo estreito
o pão seco e duro
espesso engulo

inteiro o peso
o não teso empurro
o medo o muro

escuro o beco
o vão preso interrupto
o freio o urro




"The boat studio", Monet, 1876.

versus



between the present and the past
like the mirrors
sometimes good, sometimes bad
like the syllables
some are weak, some are stressed

in the heaven or in the hell
I wish I could
be tough and full
but I am less
I am myself




"Narcissus", Caravaggio, 1640.

conjunções



falanges e cotovelos
junções,joelhos
ligações,esqueleto
conexões e meios

correio...

o que buscam meus dedos?



"The bridge at Nantes", Corot, 1870.

olhos azuis



mergulhei no céu
azul do Alentejo
e o que vejo
coberto por véu
és tu quem não me vês
eu quem sempre amei
o cortês e singelo
azulejo português



"O Atelier do Artista", José Malhoa, 1894.

brincos


Ah aqueles seus brincos pendentes
sempre cabisbaixos, não me creem

Ah se soubessem como é o horizonte
eu estaria lá bem de fronte

Ah se seus movimentos oscilantes
me tocassem por um instante

Ah eu não estaria doente, ausente
eu não seria tu igualmente



"The Embrace", Picasso, 1901.

Minguante



aqui dentro
a noite
tenebrosa

lá fora
a lua
luminosa

ri
de
mim



"Gone, but not forgotten", John William Waterhouse, 1873.

foi-se


foi-se o tempo daquela euforia
foi-se o tudo encontra-se
foi-se o tempo em que me satisfazia
com um mc donald´s


"Auto-retrato com cão preto", Courbet, 1848.

o trevo


tem um trevo
no meu jardim de bromélias
um solitário de três simplórias folhas

que no contexto
hostil das secas pedras
denota toda possível força

eu o vejo
em meio as pétalas
em posição tão (in)cômoda

e temo
penso com cautela
se teve escolha...



"Irises", Van Gogh, 1889.

Eleonora


Eleonora
sempre quis ser o que
antes fôra

até que o tempo encarregou-se
de mostrá-la que
era tola

que já caíra a gota
e da árvore a folha
ela seria a outra



"Rosa la Rouge", Lautrec, 1887.

eulália




...e ela dizia
alardeava
por todos os lados
as leituras que fazia:
eu lá lia

...a ela dizia
alardeava
por todos os lados
as leituras que fazia:
eu lá lia...





"Woman reading by a Paper-bell shade", Henry robert Morland, 1766.

Feridas



feridas são sempre feridas

para as recentes
o choro
para as que sangram
a mágoa
para as cicatrizes
o silêncio
Untitled, Iman Maleki, 1997.

poema singelo



queria que minha poesia
levantasse uma Bandeira
queria dos Barros a singeleza
teria o meu porquinho-da-índia
e nela contida toda a natureza



"The woman with the roses", Chagall, 1929.

gaivota


ela era uma gaivota
embora fosse
fosse embora
seu horizonte era uma porta
"Magic Garden", Klee, 1926.

insônia II



tentei dormir contando carneiros

1 carneiro pulou a cerca
e caiu do outro lado

2 carneiros pularam
e comeram todo o pasto

3 carneiros pularam
e ficaram meio enjoados

4 carneiros pularam
um pouco entediados

5 carneiros ficaram abandonados

esses não contaram...

o sono não veio
e o travesseiro ficou cheio
de carneiros!!!



"Sheep-shearing", Thomas Barker, 1812.

última lembrança


o que se sucedia
ocorria em camadas
como rosa que tardia
ainda assim desabrochava

mas a flor daquele dia
que então despetalava
na mente fugidia
não seria mais exalada!



"Iris jaunes", Monet, 1925.

Andorinha



quero uma andorinha
para me orientar
não quero andar sozinha
por sobre o mar

mas a andorinha que conheço
não é minha, é da Dora
e pra não pensar que não mereço
digo adeus e vou embora



"L'entree en scene", Magritte, 1961.