Desejo


deleito-me em teus

seios, seios

com meus

dedos, dedos, dedos, dedos, dedos

e os

beijo, beijo

com

Desejo

Desejo

Desejo

Desejo

Desejo




"Os amantes", Rodin

Grão de Areia


Aceito na areia ser grão perdido

Pois que da Vida já não duvido


Se apenas sou ente em grupo constituído

Não há outra maneira de acolher o Destino


Grânulo minúsculo e pequenino

Que na Natureza se encontra retido


A resignar-se perante um Todo, ferido

Por não ser Possuidor, mas ínfimo possuído!



"Vapor numa tempestade de neve", Willian Turner, 1842

H


Ahhh!

Heis que

Himpuseste-nos

Hum

“H”



"Camponesa sentada na grama", Seurat, 1883

Soneto de Substância e Subsistência


Tenho fome de teu olhar

Que se declina ao longe, todavia

Meu sustento e pão a alimentar

Essas carnes não providas.


Tenho sede de teu sorriso

Que se subtrai sem entrega ou seria

Meu leite que nutre qual rio

Essas margens, que beira e sacia?


De tanta fome e sede sentir

Fornece-me às entranhas somente ausência

Farelos de comida reles e sucinta


E por não satisfazer-me sem ti

Consumindo-me corpo e alma em abstinência

Entrego-me calma, em migalhas e faminta.




"The Vampire", tela de Edward Munch, 1894

Estar só



Estar só

Não é só...

É sorrir o sol

E sofrer a lua!



Tela de René Magritte "L'Empire des Lumieres", 1954




Do que (não) sei



Eu não sei ser romântica

Mas sem ti, fatalmente, eu morreria.


Eu não sei ser parnasiana

Mas sem ti, perfeitamente, a realidade existiria.


Eu não sei ser modernista

Mas sem ti, contraditoriamente, as regras eu quebraria.


Eu só sei ser poetisa

Mas sem ti, inutilmente, só verso elegias.

Cicatriz


Poderia ter sido uma triste atriz

Ou até quem sabe uma meretriz

Não haveria a dividir-me uma bissetriz

Teria escapado por um triz

E não estaria em mim uma cicatriz!

Sutura


Devo suturar-te sentimento partido

Não sem machucar-me antes

Pois tenho nas mãos nada além de um fio

E fragmentos de sonhos cortantes.


Sinto-me ora na costura, a agulha

Sinto-me ora no tecido, incisão enfática

Lâmina que rasga a amargura

Quisera agora ser hemostática!

Alçamento



Parto num avião a jato

Deslizo as coisas assim

Mas vôo no azul mais alto

Como se aqui dentro de mim

Houvesse um pássaro

Simplório, livre, calmo, enfim

Que nas penas leva o trecho migrado

Buscando na imensidão um sim

Do ninho onde havia estado

Pena


Sentenças mal(ditas)

Prónunciadas e prómulgadas

Pelo destino pró-feridas

Na cadeira de réu, uma vida

Condenada a ouvi-las.

O trem


O trem

Vem vindo vem

Nessa férrea linha ad finem

Sem ninguém, sem ninguém

Repetindo seu réquiem

Para um bem

Que já não tem, que já não tem...

Certeza


Sol em dia ensolarado

Lua em noite enluarada

O clima temperado

O que for próprio e derivado

Peculiar. Típico. Delimitado.

Eu quero a certeza das coisas

Que descende dessas folhas,

Que descende nessas folhas...

Fantasma



Tenho saudades do que já não sou

Em mim só um espectro ficou

Uma sombra amorfa, ausente

Que paira no oco que restou


Não sei se havia alguma essência

Se algo em mim se consolidou

Se os espelhos refletiam-me em transparência

Ou se minha face o enganou


Sobrou-me o convívio com outros espíritos

Que vêm e vão à imensidão dos vãos

Almas dançantes sobre essa massa incorpórea

Aparição inútil e vão órgão.

A Flor Amarela


Cansa-me às vezes esta tela

Sinto-me presa nela


Quero evadir-me desta cela

Basta de tanta cautela


Quero olhar pela janela

E viver o que está além dela:


Uma flor amarela

Aberta, bela como aquela!


E um beija-flor-canela

A suavemente roçar suas pétalas!

Chorinho


Ouvi um silencioso chorinho

E na melodia chuvosa de acordes

Pungentes, melosos

Gotejaram-se em mim, rentes

Imaginários toques

Num canto recôndito de mim

Sozinho, quietinho, em desalinho.

On the contrary


Por vezes penso-me de emoções espessa

Por vezes sinto-me de razões densa

Enquanto de acontecimentos escassa é a vida

Enquanto de sonhos pequenina é a poesia.

Serpente (a Erossss)


Saindo

Sozinha do sótão

Surucucu cinza

Na sala serena

Ensaiando

Um sambinha

Sério, silencioso

Sorrateiramente

Suavemente

Sob meus sapatos

Circundante, cerceante

Sorvendo meu sangue

Traçando no seio

Uma percussão de susto

Um som surdo

No compasso

De um sinuoso segundo

Sssssssssssssssssssssssssss

Palavras


Palavras são barcos

Por navegantes guiados

Em turvos mares vindouros

Em direção a um ancoradouro.

E

Palavras são barcos à deriva

Como missivas transviadas, perdidas

Que transpassam a língua e findam

Imersas em algum colóquio da vida.

Satélite


Nessa solidão insípida

Em que me encontro vívida

Fito na escuridão estrelas pálidas

Que voltam opacas

Em minhas retinas refletidas.


São diamantes sem brilho

Estáticos, perdidos

Num mar negro desconhecido

De ofuscamento jamais visto

De betume composto embebido.


Astros solitários em derrocada

Aos milhares, sem raios, distantes

Quedam-se sobre minha pele enluarada

Satélite sem par, una, errante.

Cai(í)s


Ao abordar-te no cais

Perdido, pedi-te: “vais,

Volta-te aos mares, mas

Não olhes para trás

Vais como quem vais

Não te lamentes mais”

Jamais

Deixa-me em paz.

Confissão



Minha poesia é assim

Colada à derme imbricada

Não sai sem um pedaço de mim


Em tudo me invade

Anuncia-me nas praças

Denuncia-me a identidade


Quando se evade, refresca e arde

Publica-me singela e clara

Parte e a mim parte


Aos quatro cantos me alarde

Espalha-me as entranhas, propaga

Delata-me a subjetividade


Não cansa de dar-me

Resvala-me a alma

Difundindo verdades.

O dia


O dia em que eu nascia

Não era somente o dia

Em que eu nascia.


Era o dia em que o mundo eu conhecia

Num eu-separado me descobria.


Era o dia em que eu nascia.

Apenas um dia.


O dia em que traçava uma linha

Que um dia seguiria,

Uma estória escreveria

Sobre um dia

Que ainda viria.


O dia dos meus dias

Em que renasceria

E eu de novo seria

Todos os dias

Aquele dia

De minha vida.

Estado



Mesmo em dia nublado

Posso vislumbrar beleza

Uma atual destreza

Que em mim resguardo.


Se não for ensolarado

Ainda sim há leveza

Do invisível, a firmeza,

Em direção à Terra, claro.


Então, nublado ou ensolarado,

Amanheço-me inteira

Anoiteço-me perfeita

Que importa o estado?


Espera


O que é a espera

Senão o ato mesmo de esperar?

O fato de estar atado

A um tempo que virá?

Carência


Aquela crença

Sob minha pele

Que me entorpece

Como torpe doença


A dor da querença

Que ainda me traça

Ainda estraçalha

Pela marca da ausência


Ainda faz diferença

Em minh’alma

Que não acalma

Dessa convalescença

Edição


Ao folhear-me lentamente

Na frente,

Na superfície aparente,

Descobri caracteres e entre

Espaços no verso

Hieróglifos desconexos

Incompletos,

Repaginando um mundo

Íntimo, profundo, impresso

Uma edição integral

Revista e atualizada

De uma alma ferida

Inédita, agora publicada.

Resignação


Eu tudo aceito.
Como algo já feito,
Um preceito
Que não tem mais jeito
De contradizê-lo.
É mais fácil, hoje vejo.
E reconheço.


Não insistir
Não persistir
Não admitir
Não permitir.


Não assumir
Não reagir
Não despedir
Não prosseguir.


E dormir.