eu não queria escrever apenas
aquilo que se vê
eu não queria apenas falar
sobre aquilo que há
eu queria mesmo era encontrar
uma forma de ferreiragullar
"o poeta é um fingidor..."
todas as trilhas
por onde passam meus desejos
são buscas
todas as linhas
por onde andam meus dedos
são curvas
todas as estradas
por onde cruzam meus medos
são duas
todas as milhas
por onde percorrem meus anseios
são além-lua
todas as veredas
por onde meus versos escrevo
são tuas
o beija-flor beija a flor
beija-a
a flor beija o beija-flor
beija-o
o-beijo
beija-a
veja
seja
o
beijo
seja
a
flor
seja
o
beija-flor
O trem
O trem
Vem vindo vem
Nessa férrea linha ad finem
Sem ninguém, sem ninguém
Repetindo seu réquiem
Para um bem
Que já não tem, que já não tem...
Grão de Areia
Aceito na areia ser grão perdido
Pois que da Vida já não duvido
Se apenas sou ente em grupo constituído
Não há outra maneira de acolher o Destino
Grânulo minúsculo e pequenino
Que na Natureza se encontra retido
A resignar-se perante um Todo, ferido
Por não ser Possuidor, mas ínfimo possuído!
Cansaço
Cansei do Bilac!
Prefiro ser poeta num traço.
Procuro um verso e tropeço n’outro!
Tento seguir a linha, mas ando trôpego!
E descalço!
O pretérito sentimento poético
O sentimento da poesia não existe.
O que existe é a poesia de sentimento.
No momento em que a poesia se pronuncia,
Há muito o sentimento já se perdia.
Dobrou a esquina quando eu ainda não via!
Partes
Part-o
Part-es
Partes tuas,
Minhas partes.
Partes, imos.
Partimos.
Idos partidos.
Partes idas.
Partidas.
Deus não lê poesia
De que adianta sangrar em papel as dores fugidias?
Implorar aos céus a vida que eu queria?
Súplicas em escarcéu são rasgos e amassos!
Minha pena tem mais o que rogar do que rezar ao léu!
De que adianta prostrar-me, feito réu, perante os versos
Que aqui encerro com aparente apatia?
Ademais, Deus não lê poesia!
Outono
Gostaria perder-me no outono
Em algum bosque de ouro
Num adeus, me diriam: "_tolo"
E meus rastos já não teriam dono
Mas esconder-me entre as amarelas
Fartas folhas e tantas
Entristeceria em ocre medonhas
O desabotoar das próximas gérberas!
Não tenho tempo para poesia
não tenho tempo para poesia
os ponteiros na parede apenas pontuam meu pulsar
por isso doem minhas têmporas
o tempo muda e muda a temperatura
o tempo é mudo, minha pena é temperamental
sinto que meu poema não tem tempo
e pressinto que vem vindo um temporal...
Ópio
verti-me adulterado desde que te conheci
me corrompi, despertei de todo meu ócio
de tal modo que todos os caminhos que percorri
desembocaram nas tuas trompas de falópio
A mariposa e a lamparina
mariposa, mariposa
que rodopiava a lamparina
tal qual bailarina
para onde fora?
mariposa, mariposa
trocaste a sapatilha pelo salto
agora faz sapateado
no meu coração, livre e solta?
mariposa, mariposa
será que danças tango
voando alto com algum pirilampo
em outros ares, outras folhas?
mariposa, mariposa
deixaste-me com um fado
sorumbático, de lado
já não ilumino a sala toda.
Uno
canto o canto
caminho o caminho
sonho o sonho
um
poeta
sozinho