
ah se eu pudesse
nessas reticências
incluir outro ponto ...
"Autumn in Bavaria", Kandinsky, 1908.
"o poeta é um fingidor..."
e o gato preto cruzou a noite parecendo intensificá-la
e a lua com lágrimas de kajal seu rosto borrava
e a rua não me guiava escura em seu asfalto
e eu vagava enquanto um corvo entoava um grito enfático
e as cores das casas combinavam com minha sombra ao lado
...
os olhos dele eram negros
eu luto
"Des pauvres au bord de la mer", Picasso, 1903.
Poderia não passar de um réptil
Não fosse um retrato
Poderia não passar de um fóssil
Não fosse o passado
Poderia haver pessoas
Não fosse o silêncio rompante
Poderia fixar-me na luz
Não fosse a treva circundante
Poderia não exibir réplicas
Não fosse a fragilidade do osso
Poderia não denotar verdade
Não fosse um antigo colosso
Poderia não ser estátua
Não fosse a memória preservada
Poderia não ser nada
Não fosse a lembrança petrificada.
No meu baú de amores
Entre
Objetos e palavras,
Roupas e dores
Flores e rancores
E alguns temores
Bem ao fundo da memória
Num canto breu de histórias
Encobertamente, encontrei-te
Jogado, obsoleto, maltrapilho.
Como se empoeirasse o presente
E revivesse o antigo
Fechei-o, decidida e bruscamente
A não mais versar esse estribilho.