
menino que treme de medo
não sabe que o morcego da noite
é o meio de encontrar
no deserto um camelo?
"Starry night over the Rhone", Van Gogh, 1888.
"o poeta é um fingidor..."
e o gato preto cruzou a noite parecendo intensificá-la
e a lua com lágrimas de kajal seu rosto borrava
e a rua não me guiava escura em seu asfalto
e eu vagava enquanto um corvo entoava um grito enfático
e as cores das casas combinavam com minha sombra ao lado
...
os olhos dele eram negros
eu luto
"Des pauvres au bord de la mer", Picasso, 1903.
Olhos tristes, meu amado, os teus
Que de península verteu-se em lago
Salgado, verde e claro
Trêmulo qual aceno de adeus
Olhos tristes, meu amado, os teus
Que de soluços derramados
Dois límpidos brilhantes aquários
Um reflexo de dor padeceu
Olhos tristes, meu amado, os teus
Que ao espelharem os negros meus
Em turvos ateus se tornaram
Desaguando opacos, nos breus.
Nessa solidão insípida
Em que me encontro vívida
Fito na escuridão estrelas pálidas
Que voltam opacas
Em minhas retinas refletidas.
São diamantes sem brilho
Estáticos, perdidos
Num mar negro desconhecido
De ofuscamento jamais visto
De betume composto embebido.
Astros solitários em derrocada
Aos milhares, sem raios, distantes
Quedam-se sobre minha pele enluarada
Satélite sem par, una, errante.
Como se
a escuridão invadisse o dia
Como se
as ervas daninhas cobrissem as margaridas
Como se
as mariposas se refugiassem nas galerias
Como se
o vento soprasse contra minhas retinas
Como se
o mar recuasse muitas milhas
Como se
o concreto rolasse sobre a fantasia
E como se
a vida abandonasse a poesia.