Angiosperma


meu coração é minha matéria


é por isso que quando meu corpo penetras


atinges também minhas artérias




"Danae", Gustav Klimt, 1908.


Cotovia


Eu vi a cotovia

na portinha da vizinha

que pia, pia, pia


Ouvi a cantoria

ou vi a gritaria?


Eu vi a cotovia

na portinha da vizinha

que pia, pia, pia




"Mulata com pássaro", Di Cavalcanti, 1969.

Manípulo


ser tranquilo mas turbo


ser notívago e profuso


se move difuso


sob o tecido recluso


ser solícito com(n)tudo


ser solífugo




"The Toilette", Toulouse-Lautrec, 1896.



Guarda-Chuva


não guarde a chuva

não se abrigue da dor


o que seria das ruas

sem o seu límpido frescor?


o que seria do riso

sem da lágrima o pendor?




"Férias de Hegel", Magritte, 1958.

Sapatos


sapatilhas, tamancos, sandálias

escarpins, alpercatas, mocassins

mules, chinelos, botas, tudo enfim

até coturnos


das plataformas, meus saltos

(...)


tantos sapatos

para pisar em ti

tantos calos

para mim





"Jesus washing Peter's feet", Madox Brown, 1856.


Etc. e tal


ser


a tal


a mor


a mal


altar mor


amoral


a normal


amor e tal


a mortal




"Bandeirinhas", Alfredo Volpi, 1960.



* P(r)az(er)


Os vivos com suas dores

Os mortos com suas flores


As folhas no outono amarelas

E as verdes na primavera


Nas aquarelas as cores

Os pintores com suas telas


Tudo está no seu lugar

Tudo está onde fores


Tudo está em paz

Tudo me apraz


Nada mais



"Hendrickje bathing in a river", Rembrandt, 1654.


* Publicação especial para a Tertúlia Virtual.

Borboletasso


bor

bo

le

tas

por

dos

os

to

la

dos

com


su

as

fa

tas

ce


fa

zem

do


ven

to


um


Pi

so

cas




"As senhoritas de Avinhão", Picasso, 1907.

Elos




"Several circles", Kandinsky, 1926.

uma lágrima, uma página


uma pálpebra

que pisca

no ínfimo instante

da queda

a lágrima


uma página

que risca

no infinito errante

da grafia

a lástima




"A lady writing a letter", Vermeer, 1666.


Dialética


vão-se-indo

vão-se-vindo

nos versos partindo

as dores que sinto

como se no parto

cortasse o umbigo

e restasse apenas

daquele instante vago

um traço consangüíneo



"As duas Fridas", Frida Khalo, 1939.