essa dureza que vês são só ossos
essa firmeza apenas tendões
profundo e protegido é o
coração
núcleo destemido, ferido
de leão
"o poeta é um fingidor..."
meu coração é minha matéria
é por isso que quando meu corpo penetras
atinges também minhas artérias
sensação esquisita de incesto
trair meu coração
no rasgo dos teus versos
como se fosse desonesto
furtar daquele instante
fugaz um momento eterno
Há nas redondezas uma doença contagiosa,
altamente infecciosa e dolorosa,
provocada por uma terrível bactéria,
sobrevivente também em terras mortas.
Alastra-se rapidamente deixando o corpo desvalido.
Em cadeia, vão-se os órgãos perecendo em contínuo.
De plaquetas, no sangue, deficiência;
de ar, nos pulmões, insuficiência.
Certamente, será notificada como algo maligno,
pois constata-se no paciente por ela acometido
o pior sintoma que poderia ter um indivíduo:
um inútil e disforme coração partido!
desde que foste a natureza se corrompeu.
desvirtuou a cachoeira de meus ombros
subornou meu ribeirão de cabelos
confiscou de meu corpo os desejos
e minha boca foi acometida pela desertificação
preservou apenas o sol sob os montes
que ainda queima, que ainda arde
pantera em grade que se confunde
em meio as noites de solidão
a chover esse continente inabitado
imaculado, sem adulteração
Meu corpo é branco.
Meu coração é vermelho.
Se como um espelho
O pálido reflete o corado
Este está contido naquele
E do mesmo faz parte
No jardim cândido
Há uma rosa escarlate.
E sendo, portanto o alvo
Em rubro misturado
Retifico de modo mais claro
O que então se tornou encarnado:
Vermelho é meu corpo.
Branco é meu coração.
Meu coração é um carro desgovernado
Músculo enfermo, partido, descontrolado
Mecânico e sem câmbio automático
Que circula desvairado, desregulado
Marcando passo apressado, desajustado
Por um amor gentil, vil, desenfreado
Que partiu, fugiu, dormiu anestesiado
E me deixou assim, sem mim, sem porvir, dilacerado.
Amar? Por que amar?
Se é tão difícil ceder
Se a voz da volúpia clama
E não sou dona do gostar?
Amar? Por que amar?
Se o coração não se doma
Se as regras ele furta
E a matéria não mais refuta?
Como sou desejo?
Se em teu torpor me vejo
Se na amplidão de meu corpo
Sufoca-me teu cheiro?
Como não nos enganar
Se nosso amor encontra-se
No exato momento
Em que nos desencontramos?