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Cisco


esse cisco
em meu íntimo
sucinto, ínfimo
eu insisto e cismo
só sinto sísmico
infinito

"Self-Portrait", Van Gogh, 1889.

Percevejo


eu percebo
eu vejo

e dói

"Dânae", Klimt, 1908.

poema cáustico


o suco gástrico das palavras
corrói o estômago
e dói
a dor escancarada
do desencanto

"Vampire", Munch, 1894.

a minha dor é minha dor


a minha dor é minha
a dor me adora
não me deixa sozinha

a minha dor é maior
que a da Dora
a dor é minha

que bom seria

dormir dormente
como quem nada sente
no peito e na mente

a dor sairia

um dia
eu vi a dor
e a dor
sorria
ria só
pois era só

minha

"Desnudo con alcatraces", Rivera, 1944.

cantador


eu canto a dor
porque também é para se cantar
e a dor me (n) canta


"Woman Bathing her Feet in a Brook", Pissarro, 1895.

Atra(i)ção


a traição
atrai
trai
ai
"São João Batista", Da Vinci, 1516.

* Contratador


com trato
com dor
com trato e dor
contrato a dor
contra a dor
condor






"Casamento na roça", Portinari, 1946.
*Poesia feita pensando em Xica da Silva

A DORminhoca


a minhoca
dorme na oca
sozinha
e diz:
_ a dor é minha!
"A coluna partida", Kahlo, 1944.

A escolha


ele gostava da Prazeres

mas também da Norma


quando estava com uma

pensava na outra


quando estava com a outra

pensava na uma


de modo que um dia deixou as duas

por uma paixão sofrida e única


a Dolores por toda a vida

foi sua companhia





"Two Friends", Lautrec, 1894.


Guarda-Chuva


não guarde a chuva

não se abrigue da dor


o que seria das ruas

sem o seu límpido frescor?


o que seria do riso

sem da lágrima o pendor?




"Férias de Hegel", Magritte, 1958.

Sapatos


sapatilhas, tamancos, sandálias

escarpins, alpercatas, mocassins

mules, chinelos, botas, tudo enfim

até coturnos


das plataformas, meus saltos

(...)


tantos sapatos

para pisar em ti

tantos calos

para mim





"Jesus washing Peter's feet", Madox Brown, 1856.


Policromia


Há papoulas nos jardins internos da masmorra.

Há vermelho-sangue

Há roxo-equimose.

Há azul-celeste, torpe.

O verde que me deste.

Desbotados, exangues, presos.

As cores de Kahlo foram acobertadas

Pelo telhado em branco-gelo!




"As Duas Fridas", Kahlo, 1939.


Apontador


a dor aponto

pontuo a dor

no ponto da dor

o ponto, a ponta,

a ponte, a dor

aponto a dor

apontador




"Mulher chorando", Picasso, 1937.

Ombros


possuo dois precipícios

onde quedam-se as dores

dois grandes abismos

onde suicidam-se amores

de tão fortes e desvalidos

suportam o mundo

e as alças do vestido!




"Mulheres peneirando o trigo", Courbet, 1855.

Fases


Menstrua cálido meu coração.

Não há mensura.


Em seguida, coagula.

Não há mistura.


Torna-se pálido.

Como a lua.



"All alone", Iman Maleki, 2000.

Notificação


Há nas redondezas uma doença contagiosa,

altamente infecciosa e dolorosa,

provocada por uma terrível bactéria,

sobrevivente também em terras mortas.


Alastra-se rapidamente deixando o corpo desvalido.

Em cadeia, vão-se os órgãos perecendo em contínuo.

De plaquetas, no sangue, deficiência;

de ar, nos pulmões, insuficiência.


Certamente, será notificada como algo maligno,

pois constata-se no paciente por ela acometido

o pior sintoma que poderia ter um indivíduo:

um inútil e disforme coração partido!



"Plague in an ancient city", Michael Sweertz, 1610.

Deus não lê poesia


De que adianta sangrar em papel as dores fugidias?

Implorar aos céus a vida que eu queria?


Súplicas em escarcéu são rasgos e amassos!

Minha pena tem mais o que rogar do que rezar ao léu!


De que adianta prostrar-me, feito réu, perante os versos

Que aqui encerro com aparente apatia?


Ademais, Deus não lê poesia!




"Moça lendo carta", Vermeer, 1657.

O medo


O medo da dor

já é dor

O medo da entrega

já é entrega

O medo do amor

já é amor.


O medo é uma espécie de futuro do pretérito!




"O grito", Edward Munch, 1893.

Rosa de Sangue


Um verde refúgio, quisera

Em tom forte e escuro

Destemido e profuso

Qual folhas na primavera.


No entanto, há primavera.

E não há tom mais puro

Nem solitário, em veludo

Uma rosa de sangue, deveras.



"A girl by the window", Iman Maleki, 2000.

Olhos Tristes


Olhos tristes, meu amado, os teus

Que de península verteu-se em lago

Salgado, verde e claro

Trêmulo qual aceno de adeus


Olhos tristes, meu amado, os teus

Que de soluços derramados

Dois límpidos brilhantes aquários

Um reflexo de dor padeceu


Olhos tristes, meu amado, os teus

Que ao espelharem os negros meus

Em turvos ateus se tornaram

Desaguando opacos, nos breus.




"Pierrot", Picasso, 1918.