Estou a chover fragmentos
De um amor versado
Nesses pingos-excremento
Lavo-me em gotas de orvalho
Um sacrifício ofertado em lamento
Um pecado expelido, expiado
Gotículas em pedaços vertendo
Um sonho não acabado
"o poeta é um fingidor..."
O dia numa caixa.
Enquadrada num quadrilátero.
Enformada num retângulo.
Checando o tempo a cada um quarto.
Às vezes, mirava pelo quadrado.
E via outros seres quadrados.
Via que nesse polígono de quatro
Eu estava fora de enquadre.
Isso me deprimia.
E em cada ângulo me via
Num quadro emoldurado,
Num tabuleiro quadriculado.
E nele rolava um dado
Que mostrava sempre o mesmo lado:
1, num quarto.
De tanto fazê c’um demo pacto
De redemunho em redemunho
Desrodeando a pôrtera do mundo
Um’ora quis dizfazê o trato.
Se o sinhô num acredita
Que vivê é perigoso no sertão da gente
É porque num tem alma, antesmente
Nem sente presença de neblina.
Quando ela se achega que nem garoa fina
Num tem capiroto que güente
Nem névoa que essa desmistura assente
Me alembro. Tinha medo. Carecia.
Todo mundo tem parte c’um capeta
Não pense o sinhô que é mentira
Porque opiniães, dizem só. Que-diga?
Há-de comprar briga nas vereda.
Fim de rumo nessa peleja
É correr o Rio pela Cabeceira
Mas o sinhô, seu moço, mire veja:
Arre! Do sertão essa doidêra ...
Poderia não passar de um réptil
Não fosse um retrato
Poderia não passar de um fóssil
Não fosse o passado
Poderia haver pessoas
Não fosse o silêncio rompante
Poderia fixar-me na luz
Não fosse a treva circundante
Poderia não exibir réplicas
Não fosse a fragilidade do osso
Poderia não denotar verdade
Não fosse um antigo colosso
Poderia não ser estátua
Não fosse a memória preservada
Poderia não ser nada
Não fosse a lembrança petrificada.
Casos isolados ou freqüentes
Antigos e recentes
Fazem-me questionar:
Não podiam esperar?
Uma pessoa errante
Em um caminho distante
Ao dobrar a esquina
A me trombar. Uma sina?
Um acontecimento repentino
Que mais parece um desatino
Permanece sem pestanejar
Com insistência a me provocar (...)
Um homem doente
Uma mulher descontente
São escolhas da vida
Ou lições que ela ensina?
Sofrimento no peito
Amor sem conserto
Relógio ajustado
Com ponteiros do passado?
Vontades e fatalidades
Corroendo nossas verdades
Acasos do destino
Ou força do arbítrio?
Algo indefinível
Preenche-me invisível
Ata-me e consome
Deixa-me insone
Lacunas e espaços
Um vazio (com)passo
Que se move e se expande
Dentro de mim errante
Ele nunca preencho
Pois quando preencho me reinvento
Já não sou mais aquele de antes
Sou um vácuo constante
Enchendo meu poço
Transbordo triste e louco
E na abundância entornada
Novamente com a alma esvaziada
Esta noite tive um sonho, um sonho maldito
Intenso, que não terminava
Mas não eras tu quem eu acariciava
Pois não eras tu aquele ser onírico.
Um sonho mentiroso e bonito
Em que me acalentavas
Mas não eras tu quem me abraçavas
Pois não eras tu naquele sorriso.
Acordei desse sonho magoado e sofrido
Para mim não adicionava nada
Mas não eras tu quem aqui estavas
Pois me despertava um desconhecido.
Ontem por incidente
Percorri a trilha do passado
E notei que embora estático, era presente.
Com uma sensação crescente
Senti-me demente
Um pouco incompetente
Por estar consciente
De que não estava ausente
De uma realidade envolvente
E me traía impaciente
Impotente
Com um ser incongruente
Definitivamente inconcludente.
Lancei-me ao mar na busca vã de te encontrar
Não sabia mais como esperar ver-te ao porto chegar
Nesse maritmo trôpego de ondas tamanhas
Sofri no frêmito balanço de tuas façanhas.
Entranhando-me no breu de meu ser louco, desencontrado e sôfrego
Resolvi voltar náufrago às docas, cambaleante e torto
A aguardar-te numa solidão desafinada e rouca com esperança pouca
De navegar outra vez nas águas de tua boca.
Meu coração é um carro desgovernado
Músculo enfermo, partido, descontrolado
Mecânico e sem câmbio automático
Que circula desvairado, desregulado
Marcando passo apressado, desajustado
Por um amor gentil, vil, desenfreado
Que partiu, fugiu, dormiu anestesiado
E me deixou assim, sem mim, sem porvir, dilacerado.
Não projetei ser poema
Alexandrino, decassílabo ou coisa afim
Poesia marcada, compassada
Ou tradicional assim.
Pensei ser poema brando
Tônico e sonoro
Mas fez-me branco
Átono, inodoro.
Sem ritmo ou composição
Transformou-me em pranto
E a metrificação
Sem voz de acalanto.
Estrutura fixa, isométrica
A mim não cabia
Recusei a forma clássica
Conservando apenas o tom de elegia.
Rimas e versos como os teus me nego
Firmo-me no lirismo e na liberdade
E em estrofe expresso: amo e protesto
Como quem se conta em catarse.
No meu baú de amores
Entre
Objetos e palavras,
Roupas e dores
Flores e rancores
E alguns temores
Bem ao fundo da memória
Num canto breu de histórias
Encobertamente, encontrei-te
Jogado, obsoleto, maltrapilho.
Como se empoeirasse o presente
E revivesse o antigo
Fechei-o, decidida e bruscamente
A não mais versar esse estribilho.
Meus poemas não sou eu.
Nem maiores que eu.
São facetas parciais
Que em mim não cabem mais.
Introspectivos, individuais,
Mas não são meus.
Nem melhores que eu.
Às vezes, são piores, menores.
Não transcendem a linha.
São saídas utópicas de uma vida
Que, metaforizada, se finda.
Meus poemas não sou eu.
São papel qualquer, traço de mulher.
E nesse mar de pronomes pessoais
Encontram-se pequenos e vãos
Iguais, desiguais desvãos
Onde versos inversos se aninham
E outros seres poéticos oscilam.
Intento não conhecer
Intento não pensar
Onde andarás? Como está você?
Intento não sentir
Intento não questionar
Por que te vi? Por que te vi?
Intento não querer
Intento não falar
Como ignorar, como não saber?
Intento não responder
Intento não revelar
Que fazer quando te ver?
Intento não fugir
Intento não esconder
Como fingir, como dormir?
Intento não sofrer
Intento não amar
Não te desejar é não ser?
INGREDIENTES
- uma porção grande de beijos
- uma boa dose de abraços
- uma quantidade considerável de cheiros
- só certas palavras.
PREPARO
Misturar tudo em um recipiente profundo. Temperar a gosto. Em seguida, mexer lentamente. Deixar atingir a temperatura ideal. Servir, imediatamente.
Obs.: Tomar cuidado para em outro ser, em outra parte, o aroma não reconhecer.
Nosso amor tornou-se árido.
Entre as pedras não flui mais o vermelho.
Fez-se barreira, infarto
Seco em minhas veias
Enrijecido como torrão.
Nosso amor tornou-se vão
Deserto inabitável
Rio coagulado, pausado
Terra de solidão
Sem precipitação.
Nosso amor tornou-se estéril
Ermo, paralisado
Fluido viscoso, imóvel
Lugar branco venoso
Improdutivo, sem irrigação.
Se te ultrapasso as fronteiras, amor
Atravesso-te em guarda
Encontro espinho em flor
É porque o farol desconhece até onde alcança
Seus rastros de luz
Nesse ermo de barreiras que a nada conduz.
Porque na linha, horizonte não vejo, precipício
Porque és uma imagem trêmula
Intocável
Em toda parte
No deserto de mim.
Memorandos e portfólios
Declarações e certidões
De nascimento, negativas, óbitos
Tentando burlar o óbvio.
Religiosos querendo se salvar
Gordas tentando entrar num vestido
Acadêmicos formatados
Timbrados com seus títulos.
Políticos em série.
Homens de terno moldados.
Mulheres de peitos siliconados.
Adolescentes buscando se enquadrar.
Velhos infelizes por não.
Abcissas e coordenadas
Planos de aula
Relatórios e atas
Projetos e gráficos
São bruscamente comprimidos.
Pelo súbito
Repentino
Improvisamente
Inquilino.
1 minuto a mais, 1 minuto a menos,
São atropelados os esquemas
Pelo incidente na próxima esquina...