Quando

Quando me perguntas: "O quê?”

Me escondo.

Quando me perguntas: “Quando?”

Me amedronto.

Quando me perguntas: “Onde?’

Me assombro.

Quando me perguntas: “Como?’

Me lanço.

Retardación


El dolor de vivir la verdad

No es oír lo dicho,

No es sufrir lo hecho.

Es no poder mover las piedras,

Contener los intervalos que se alargan.

Es lo temprano que llega demasiado tarde

Cuando el sol se fue

Cuando no hay más tiempo de tener tiempo

Y las cosas ya son bastantes.




Oposto


Sempre tive uma queda pelos avessos.

O que viesse na contramão.

No lado tortuoso e imprestável das trilhas.

O inacabado, o incompleto.

O finito e incorreto.

O subversivo e adverso.

Revolucionário e abjeto.

Sinuando

Entre o defeituoso e o desastrado,

O desajeitado e o malfeito.

Sem preceitos,

O equivocado,

O imperfeito,

O inverso,

Eu aceito.


Romanzo

Meu romance não se dá de maneira clara, piegas, embasbacada.

Dá-se de maneira tresloucada, desvairada, desnaturada.

Quando na aurora sorri o sol

Quando o mar espelha seu olhar

E a rosa, úmida, se põe a desabrochar.

Caudal

Sangradouro em curso

é essa angústia corrente

que escorre destas margens

que beiram, transbordam, invadem

inundam, afluem, repartem

em fluxo contínuo

as dores ribeirinhas

desaguando

aqui dentro do peito

assim meio sem jeito

ansiando por um leito...


Resíduos


Das palavras d’antes ornadas, o silêncio

Das mãos d’antes dadas, o espaço

Dos olhares d’antes reluzentes, o ofuscamento

Das salivas d’antes trocadas, o amargo

Das estórias d’antes narradas, o esquecimento.


Umas questões


Amar? Por que amar?

Se é tão difícil ceder

Se a voz da volúpia clama

E não sou dona do gostar?


Amar? Por que amar?

Se o coração não se doma

Se as regras ele furta

E a matéria não mais refuta?


Como sou desejo?

Se em teu torpor me vejo

Se na amplidão de meu corpo

Sufoca-me teu cheiro?


Como não nos enganar

Se nosso amor encontra-se

No exato momento

Em que nos desencontramos?

Hélio (in memoriam)


Hélio...

Desprovido de prejuízos.

Despojado de benefícios.

Dor ou prazer.

Apenas você.

Não é mais gás.

Nem vida.

Mãos


Mãos (...)


Ferramenta do possível

Meio do conseguimento

Instrumento do atingível.


Forma de chegar

Modo de reter

Jeito de tocar.


Manifestação de poder

Representação da vontade

Expressão do querer.


Utensílio de propensão

Aparelho metafísico

Maneira de obtenção.


Órgão volante, errante

Imprevisível, inconstante

Carpo, metacarpo, falange.


(...)Mãos


Parte final minha

Que, gélida e pálida, se aninha

Na parte inicial tua.


Geologia


Em tua geologia eu não encontrei planícies.

Embaixo dessas terras, a história

Esculpe uma paisagem típica

Composta por abalos sentímicos

Que um dia estremeceram esse chão.

Em tua geologia acidentada eu me sedimentei

E no estrato mais profundo desse vão.

Como placas tectônicas

Em busca de um novo encaixe,

Como magma que escorre em direção ao mar,

Como erupção quente em atividade

No cerne cálido da rocha fria...

Algarismos


Uma casa, duas chaves

Uma sala, dois retratos

Uma mesa, dois pratos

Um quarto, dois armários

Duas camas, um vácuo.



Poeminha do medievo


Há em meu coração distintas sacadas.

Delas, estendem-se galerias

Contendo imagens tresloucadas

De menestréis despidos de alegria.


Com mãos trêmulas traçam acordes em um instrumento

Consumido pelo desejo daquelas que balançam os quadris

Sem se incomodar com julgamentos vis

Sem se perturbar com andanças do tempo.


Regressam à sacada atormentados acordes.

Migram para cá trazendo os fragmentos ensurdecidos

De meus fatigados dedos, sílabas trágicas abortadas,

Enamoradas das sonatas tombadas nas vielas públicas.


Aqui, da sacada, vão-se versos ao vento.

Vão errantes pelo oportuno outono

E certamente sangrarão em alguma província

Vidas famintas de metaforizados sentimentos.


O metaplasmo nosso de cada dia

Genti num s'intendi, sô!

Qué cumê ma num qué lavá prato

Qué ispiá ma num qué vê

Qué falá ma num qué iscutá

Qué vivê ma num qué morrê

Qué amá ma num qué sofrê!


Como se


Como se

a escuridão invadisse o dia


Como se

as ervas daninhas cobrissem as margaridas


Como se

as mariposas se refugiassem nas galerias


Como se

o vento soprasse contra minhas retinas


Como se

o mar recuasse muitas milhas


Como se

o concreto rolasse sobre a fantasia


E como se

a vida abandonasse a poesia.


Extravasamento


Nas horas que caminham ao seguinte instante

A cada minuto que apática, mas pensante

A sede de tocar múltiplas vidas se faz notória

Fere a eterna limitação deste ser.


Extrema ânsia dos que se vêem no cárcere de si mesmos.

Exagerada inveja dos que se têm em confronto.

É preciso estar ambíguo.

Repugnar os puristas e ser puritano,

Conhecer o inocente e amar o profano,

Seguidor do nômade e amigo do estável,

Sequaz dos mais distintos destinos.


Permito sangrar a cândida poesia

E os sôfregos instintos de minh’alma.

Permito-me publicar toda minha inconsistência

E desejo compor todo o homem.


Sorvo minhas personagens,

Anseio as diferentes mentes:

A pacífica, a bélica.

Sofro com as impotências à margem do infinito

E sonho com o paradoxo de minhas vontades.


A conformação não é para mim.

Nem a consumação.

Estou eu, sou todos.

Estou teatro, sou artista.

Insônia

12:00 – ainda espero

01:00 – não perco tempo, rezo

02:00 – um rosário encerro

03:00 – sinto que ainda me esmero

04:00 – canto um bolero

05:00 – me desespero

06:00 – não mais te quero

07:00 – no ponto, espero.


Vão


No espaço abrangente

Do meu pensamento

Fez-se algoz o desejo

Inebriante da vida

Que, numa ação de despejo,

Levou embora meu contentamento

E tudo transformou em lamento.


Origami II


Debrucei-me sobre ti para descobrir

Se havia um desdobramento de mim.

Uma (re)flexão fiz:

Marquei um lado, outro lado

Abri, estendi

À procura de um resultado imediato

Em minhas mãos, reciclado.

Origami I

Abrir-se.

Estender-se.

Dobrar-se.

Debruçar-se.

Re-fletir-se

Redobrar-se.

A todo o momento

Formar-se.

Desdobrar-se.

Encontrar-se.


Reticências


Uma interrupção

Um assalto

Uma indecisão.


Uma indagação

Um pensamento

Uma hesitação.


O falar

O dizer

O querer-dizer.


O implícito

O sugerido

O não-dito.


Tudo o mais é retido.

Tudo o mais é suplício.


Esboço


Você desenhou em mim um esboço

Que não consigo prever.


Incipiente. Indefinido. Inteligível.

Algo desfocado, não delineado, um Monet.


Um traço entre embaraços,

Um risco distinto a correr.


Uma composição sentinela

À espera do que ainda vai ser.

Língua Portuguesa: o discurso da mudança que não cansa

Muitos estudiosos da linguagem têm discutido sobre a maneira como a Língua Portuguesa vem sendo tratada em sala de aula, como a gramática não reflete a realidade lingüística brasileira. A distância entre elas existe não só pelas regras condizentes ao português de Portugal, mas também por não contemplar a diversidade dialetal do Brasil. O desafio que se coloca aos professores de português encontra-se no fato de como ensinar uma língua que não reflete a falada pelos alunos, como manter a tradição gramatical em meio às mudanças, em meio as variações.

Julgo que a questão básica para iniciar a discussão tanto no meio acadêmico quanto em sala de aula diz respeito à diversidade existente entre o português de Portugal e Brasil, numa perspectiva diacrônica; entre a oralidade e a escrita; e, consequentemente entre os dialetos. Partindo de uma visão histórica será mais fácil compreender os processos pelos quais a língua materna brasileira se constituiu como idioma nacional. Primeiramente, os professores devem tomar como premissa, sobretudo o respeito às diferenças culturais e dialetais, pois como poderiam discorrer sobre tal tema se não o aplicam cotidianamente em sala de aula? Está implícito nessa reflexão e é inerente à mesma um posicionamento apropriado por parte do educador no que se refere à aceitação e compreensão da realidade lingüística do aluno e dos momentos em que se faz necessário o uso do dialeto de prestígio na sociedade para fins específicos.

As discrepâncias relativas aos usos da oralidade e da escrita devem ser vistas como algo intrínseco a essas instâncias, principalmente no que concerne à língua falada e suas particularidades e não como um fenômeno lingüístico incorreto. O professor deve trabalhá-las como assunto primordial básico, sobretudo propondo atividades que contemplem a observação e a pesquisa na comunidade lingüística do aprendiz e as variações dialetais existentes. Dar-se-á nesse momento, uma grande oportunidade para discutir acerca das diferenças, e, por conseguinte, os usos. No tocante à escrita, a utilização em classe dos diversos gêneros de textos e relativos suportes pode auxiliar com eficácia a explanação a respeito da adequação do texto ao contexto. Sendo assim, a palavra-chave na aplicação das atividades é também a variedade.

Embora a compreensão dessa diversidade lingüística facilite o ensino posterior em relação aos aspectos semânticos, sintáticos, pragmáticos, persiste ainda uma gramática incoerente. Dessa forma, a meu ver, deve-se lançar mão da diversidade como argumento proporcionador para discorrer sobre a necessidade da unidade lingüística, a importância da normatização e os fatores concernentes a esta. De fato, o educador da língua materna tem uma tarefa árdua: convencer aos alunos que a norma contribui essencialmente para a instituição política e social de uma nação. Daí, a necessidade da matéria enfadonha. E como a linguagem é um fenômeno social deve ser realizada muitas vezes dentro das exigências que a sociedade impõe. Daí, a importância da unidade lingüística.

Esses discursos que parecem opostos, a priori, são facetas imprescindíveis de uma mesma questão: a língua em sua completude. Para o professor de Língua Portuguesa, o desafio agora já não é mais o de outrora. A senha é alterada para “equilíbrio”.

Para bem de todos, a meu ver professores não devem ignorar os fatos além-tradição e igualmente, os alunos não devem ser indiferentes à norma padrão. Eliminar os preconceitos facilitaria o processo ensino-aprendizagem em sua totalidade. Infelizmente, a discussão acerca da mudança ainda se restringe ao meio acadêmico, aos teóricos da língua e suas publicações com caráter polêmico. A aplicação em sala de aula dessa matéria até então depende de cada educador e deve ser avaliada continuamente, não para se chegar a um consenso, mas para socializar a emergência do discurso da mudança também dentro das escolas.