angelo


vives nas nuvens
vens nu
ingênuo, um
vê a gente sem tu
longe no azul
pìu su
vem angel blue



"Sant'Anna, Virgem Maria, Menino Jesus e o carneirinho", Da Vinci, 1510.

o sineiro


ainda toca o sino
o órgão, no íntimo
é Quasímodo


"Hombre mirando pájaros", Rufino Tamayo, 1950.

* Serpente (para Erosss)



Saindo
Sozinha do sótão
Surucucu cinza
Na sala serena
Ensaiando
Um sambinha
Sério, silencioso
Sorrateiramente
Suavemente
Sob meus sapatos
Circundante, cerceante
Sorvendo meu sangue
Traçando no seio
Uma percussão de susto
Um som surdo
No compasso
De um sinuoso segundo
Sssssssssssssssssssssssssss


Detalhe de "Serpentes Aquáticas", Klimt, ?.
*Republicaçao

Atra(i)ção


a traição
atrai
trai
ai
"São João Batista", Da Vinci, 1516.

*anima e cuore





O que não tenho

senão os anéis no anular?






O que não tenho

senão os trapos a me indumentar?






O que não tenho

senão os sapatos a me civilizar?






_O que eu tenho, de fato, é nuclear!





"Red Ballon", Paul Klee, 1922.
*Republicação

nomes, fomes


Romeu, Odisseu e Teseu
não importam os nomes
não importam as fomes
todos eles são eu




"Orphan girl at the cemetery", Delacroix, 1824.

davi e golias





do teu lado

às vezes quero ser pequena

dormir embalada e serena


do teu lado

às vezes quero ser grande

despertar enquanto te expandes


do teu lado

sou ser ínfimo e importante

ora gigante, ora infante





"Macieira I", Klimt, 1912.

* Receio


um amor dos gregos me veio
e eu que era bárbaro
impávido, tive medo




"O nascimento de Vênus" Botticelli, 1483.

* poesia feita ao ler "O paciente inglês", de Michael Ondaatje.

* Contratador


com trato
com dor
com trato e dor
contrato a dor
contra a dor
condor






"Casamento na roça", Portinari, 1946.
*Poesia feita pensando em Xica da Silva

o beijo da mariposa


observo eu a mariposa
atrás da luz da vela
mesmo sabendo que esta
não dá bola àquela moça

vem dançando afoita
e à chama se acerca
tremulando estão elas
a precaução é pouca

oh criatura barroca!
à claridade as trevas
de tuas asas belas
traídas por tua boca!






"Study from the human body", Francis Bacon, 1949.

Caixa de entrada



o que um dizia o outro não entendia


era sem ritmo a poesia



encontros vocálicos perdidos

num texto intraduzível



era um fio rompido

2 e meios não lidos






"Lady writing a letter with her maid", Vermeer, 1670.



*O trem


o trem

vem vindo vem

nessa férrea linha ad finem

sem ninguém, sem ninguém

repetindo seu réquiem

para um bem

que já não tem, que já não tem...





"Muchacha con girasoles", Diego Rivera, ?
*Republicação

Perspectiva



inverta o conceito
dome o medo





"Lua cheia", Paul Klee, 1919.

A DORminhoca


a minhoca
dorme na oca
sozinha
e diz:
_ a dor é minha!
"A coluna partida", Kahlo, 1944.

ESC


ESCrita
ESCorre
ESCapa

ESCoa
ESCassa
ESC
ESC
ESC

S






"Blue", Jackson Pollock, 1943.


*Náufrago



Lancei-me ao mar na busca vã de te encontrar

Não sabia mais como esperar ver-te ao porto chegar

Nesse maritmo trôpego de ondas tamanhas

Sofri no frêmito balanço de tuas façanhas.


Entranhando-me no breu de meu ser louco, desencontrado e sôfrego

Resolvi voltar náufrago às docas, cambaleante e torto

A aguardar-te numa solidão desafinada e rouca com esperança pouca

De navegar outra vez nas águas de tua boca.




"Ulysses deriding Polyphemus", Willian Turner, 1829.
* Republicação

hieróglifo


que tez

tem

o texto


a face

do vento

tem


a face

do tempo

tem


o sexto

sentido

o além

o escrito

o desdém

o grifo


o que fez

a tez

do meu bem?






"The Desperate Man", Courbet, 1845.

passagens



todas as trilhas

por onde passam meus desejos

são buscas


todas as linhas

por onde andam meus dedos

são curvas


todas as estradas

por onde cruzam meus medos

são duas


todas as milhas

por onde percorrem meus anseios

são além-lua


todas as veredas

por onde meus versos escrevo

são tuas



"Dancer", Joan Miró, 1925.

Fingere II


etnemairartnoc sarvalap sa overcse

metnem oãn sale es rev arap





"Autumn in the village", Chagall, ?


Flores do Ipê


rosas

tantas delas em cópula


amarelas

Van Goghs nas janelas


violetas

ventania de borboletas


brancas

nuvens flutuantes nas plantas


(...)


nessa época, quem não vê

as flores fartas do ipê?



"The Mulberry Tree, Van Gogh, 1889.

* Cansaço



Cansei do Bilac!

Prefiro ser poeta num traço.

Procuro um verso e tropeço n’outro!

Tento seguir a linha, mas ando trôpego!

E descalço!



"A italiana", Matisse, 1916
* Republicação

Passagem


o outono anda sob meus pés
e eles folhescem




"Beech Forest", Gustav Klimt, 1902.

para que serve o poema


para que serve o poema

se me ferve, me queima

não segue esquemas

nem lemas

se sai leve ou a duras penas

nada ergue, nada perde

não importa o tema

para que serve o poema

se é apenas




"Tarde clara", Fernando Fader, 1923.

chorão



eu bem-te-vi chorão
mas bem não estavas
pois havia folhas no chão



"La niña de las mariposas", Leonidas Gambartes, ?


Amigos do blog,
estive voando por ares argentinos...
Agora volto para continuar meus escritos.
Agradeço a todos que aqui vieram durante esse período
que defino como uma espécie de retiro...
Sejam sempre bem vindos!!!

*Outono



Gostaria perder-me no outono
Em algum bosque de ouro
Num adeus, me diriam: "_tolo"
E meus rastos já não teriam dono

Mas esconder-me entre as amarelas
Fartas folhas e tantas
Entristeceria em ocre medonhas
O desabotoar das próximas gérberas!




"A Wooded Path in Autumn", Brendekilde, ?

*Republicação

menininho (a Eros)


menininho não cresça assim tão rápido

fito teus olhinhos de vidro


tenho um passo a frente, outro atrás

a vigiar os teus apressados e corridos


já atravessas a rua tranquilo

e fico a te pensar sozinho e duvido


meu cupido distraído

não tropeces no paralelepípedo


não esqueça o calçado

tem muito micróbio no piso


estás a fazer supermercado

eu ainda a te dar pirulitos


queria-te infante, comigo

mas sei que é errante teu destino


menininho, és meu gigante perdido

e sei, te vais, tornar-se-á mais pequenino




"Mother and child", Picasso, 1907.

ciranda do medo


o medo de perder o medo

de perder o medo de perder

o medo de perder o medo


perder o medo de perder o

medo de perder o medo de

perder o medo de perder


o medo de perdê-lo




"Melancholy", Edward Munch, 1891.


o pássaro engaiolado


sonha a montanha

do lado de fora

a brisa canta

da gaiola

eu o vi

triste, sem esporas

eu o vi

livre e ainda chora

por que não vai embora



"A Soul Brought to Heaven", William-Adolphe Bouguereau, 1878.