Feliz Novo Ano...


Queridos Amigos,

Começo estas felicitações transgredindo (sutilmente) a estrutura sintática da frase mais pronunciada na última noite do ano. Desejo a vocês, diferentemente do “Feliz Ano Novo”, um “Feliz Novo Ano”. Não seria a mesma coisa? Não. Neste caso, na língua, a ordem dos fatores altera sim o produto. Uma simples inversão pode modificar bastante o significado. Enfatiza-se assim o qualificador e não o nome. E este é o fim: focar o adjetivo que indica e remete à mudança. Na verdade, os anos são sempre os mesmos, a mudança e a novidade (quando ocorrem) ocorrem dentro de nós. É uma escolha, mas às vezes, a vida parece nos compelir a ela. A novidade, ora, é como a maré que te surpreende no crepúsculo; ora, é a brisa da manhã que te acaricia... Mas o que é certo é que ela sempre vem não importa o dia, o mês ou o ano.


Enfim, a todos vocês que fizeram este cantinho um pouco mais acolhedor,

Feliz Novo Ano,

de alegria, esperança, luz.


Ahh, e não esqueçam o versinho da *música do Sting:

“…be yourself, no matter what they say...” !

Beijos de Mariposa!

*Englishman in New York

"Rocks at Belle Isle, Monet, 1886.



Fases


Menstrua cálido meu coração.

Não há mensura.


Em seguida, coagula.

Não há mistura.


Torna-se pálido.

Como a lua.



"All alone", Iman Maleki, 2000.

Notificação


Há nas redondezas uma doença contagiosa,

altamente infecciosa e dolorosa,

provocada por uma terrível bactéria,

sobrevivente também em terras mortas.


Alastra-se rapidamente deixando o corpo desvalido.

Em cadeia, vão-se os órgãos perecendo em contínuo.

De plaquetas, no sangue, deficiência;

de ar, nos pulmões, insuficiência.


Certamente, será notificada como algo maligno,

pois constata-se no paciente por ela acometido

o pior sintoma que poderia ter um indivíduo:

um inútil e disforme coração partido!



"Plague in an ancient city", Michael Sweertz, 1610.

Deus não lê poesia


De que adianta sangrar em papel as dores fugidias?

Implorar aos céus a vida que eu queria?


Súplicas em escarcéu são rasgos e amassos!

Minha pena tem mais o que rogar do que rezar ao léu!


De que adianta prostrar-me, feito réu, perante os versos

Que aqui encerro com aparente apatia?


Ademais, Deus não lê poesia!




"Moça lendo carta", Vermeer, 1657.

Curupira


meus pés

pequeninos

parecem tão

perdidos

por onde pisam

deixam pistas

de curupira !




"O curupira", desenho de Flávio Colin, 2006.

É Natal! Tempo de Agradecer...


Queridos amigos do blog,



Obrigado a todos que se fizeram "presentes" de algum modo.



Àqueles que aqui se perderam

Àqueles que aqui se encontraram

Àqueles que aqui comentaram

Àqueles que não.



Àqueles que aqui sentiram o coração aquecido

Àqueles que aqui criticaram sem disseminar o frio.



Obrigado, sobretudo, àqueles que agregaram a este espaço um pouco mais de poesia e àqueles que se tornaram em minha vida, a própria poesia...



Que todos os dias sejam de (re)nascimento!!!



Feliz Natal!!!




Detalhe "A criação de Adão", Michelangelo Buonarroti, 1510.

Partes


Part-o

Part-es

Partes tuas,

Minhas partes.

Partes, imos.

Partimos.

Idos partidos.

Partes idas.

Partidas.



"Moça na janela", Dali, 1925.

O medo


O medo da dor

já é dor

O medo da entrega

já é entrega

O medo do amor

já é amor.


O medo é uma espécie de futuro do pretérito!




"O grito", Edward Munch, 1893.

Natureza Corrompida


desde que foste a natureza se corrompeu.

desvirtuou a cachoeira de meus ombros

subornou meu ribeirão de cabelos

confiscou de meu corpo os desejos

e minha boca foi acometida pela desertificação


preservou apenas o sol sob os montes

que ainda queima, que ainda arde

pantera em grade que se confunde

em meio as noites de solidão

a chover esse continente inabitado

imaculado, sem adulteração




"The tub", Degas, 1885.


Invento


um invento

no pensamento tenho

abstrato

não compacto

intacto

puro e ingênuo

que toca-me com desdém

palpável e autoritário

porém



"Doze girassóis numa jarra", Van Gogh, 1888.

O pretérito sentimento poético


O sentimento da poesia não existe.

O que existe é a poesia de sentimento.

No momento em que a poesia se pronuncia,

Há muito o sentimento já se perdia.


Dobrou a esquina quando eu ainda não via!




"Landscape with butterflies", Salvador Dali, 1950.

Rosa de Sangue


Um verde refúgio, quisera

Em tom forte e escuro

Destemido e profuso

Qual folhas na primavera.


No entanto, há primavera.

E não há tom mais puro

Nem solitário, em veludo

Uma rosa de sangue, deveras.



"A girl by the window", Iman Maleki, 2000.

Olhos Tristes


Olhos tristes, meu amado, os teus

Que de península verteu-se em lago

Salgado, verde e claro

Trêmulo qual aceno de adeus


Olhos tristes, meu amado, os teus

Que de soluços derramados

Dois límpidos brilhantes aquários

Um reflexo de dor padeceu


Olhos tristes, meu amado, os teus

Que ao espelharem os negros meus

Em turvos ateus se tornaram

Desaguando opacos, nos breus.




"Pierrot", Picasso, 1918.


Sentimentos Alados



Meus sentimentos têm asas

E não sabem voar rente ao chão

Ainda que sejam cortadas

Mais belas e livres são!


E se do alto, mais distante é o alvo

Buscam então a sublime imensidão

Do vôo perdido azul no espaço

De um coração calmo e sem grilhão!




"Meninos soltando pipas", Portinari, 1943.


Teu sorriso é um rio


Teu sorriso é um rio.

Rio que corre.

Córrego em curva.

Curva em corredeiras.


Teu sorriso é um rio.

De águas turvas.

Rio que escorre e empurra.

Correnteza.


Teu sorriso é um rio.

Cachoeira.

Já não rio.

Cegueira.


Teu sorriso é um rio.

Rio, riacho, riachinho...




"La Seine à Asnières", Renoir, 1879.


Natureza Morta



Todos têm um quadro desses:

Parado, em cima de um móvel

Ou sob o coração, imóvel

Senão numa grande parede!


Um belo vaso de flores

Sobre a mesa, estático

E dentro artigos de plástico

Contendo mortos amores!




"Vaso de flores", Guignard, 1931.


Soneto aos Mortos


Receio às pálidas mãos dos covardes

Que têm num traço de lamento na palma

Um texto desencontrado na sobretarde

E um séqüito de palhaços na alma.


Receio àqueles que vivem no escuro

Amarelos como fruto sem gosto e imaturo

Dependurados em árvore, estrangulados

Nas cordas do medo ou em cima do muro.


Não me domam receio e pranto

Não sou mulher de brutas alcovas

Nem enterro em covas meus acalantos.


Mas emprestado peço ao impávido a Boca do Inferno

Ao intrépido Dos Anjos, o cemitério, para num leito

Frio e calmo, deitar aos mortos, meus últimos versos.




"A morte do toureiro", Picasso, 1933.


Aviso

Queridos amigos do blog,

sinto interromper a sequência e função poética para usar a função referencial, avisando-lhes portanto que a partir deste instante moderarei os comentários, visto que alguns ofensivos feitos por uma pessoa anônima têm bruscamente quebrado os diálogos poéticos que naturalmente ocorrem nos comments. Não eliminei os depreciativos para que sejam exemplo para nós, aprendizes da vida, do que não deve ser feito, afinal essa jornada nunca acaba, não é mesmo? Espero que continuem criticando, elogiando e acrescentando versos aos humildes que aqui tomam corpo. Serão sempre bem-vindos!

Ariane Rodrigues

Jardim


Reparto-me e refaço-me.

Árvore.


A revestir-te e proteger-te.

Pétalas.


A aninhar-te em cada parte.

Folhas e caule.


A prender-te.

Raiz.


P(á)ra...


... não perder-te.

Jardim.




"Jardim", Monet, 1906.

O gatinho


O gatinho vai passando de mansinho

atrás do novelo.


Miando baixinho deixando

atrás um rastro de pêlo.


Foi-se embolando o bichinho

em completo e total desmazelo.


Pobre gato miudinho! Entre lãs e fios

não posso mais vê-lo!




"Mulher com gato", Renoir, 1875.

O Vermelho e o Branco


Meu corpo é branco.

Meu coração é vermelho.


Se como um espelho

O pálido reflete o corado

Este está contido naquele

E do mesmo faz parte

No jardim cândido

Há uma rosa escarlate.


E sendo, portanto o alvo

Em rubro misturado

Retifico de modo mais claro

O que então se tornou encarnado:


Vermelho é meu corpo.

Branco é meu coração.




Óleo de Camille Pissarro.

Cansaço


Cansei do Bilac!

Prefiro ser poeta num traço.

Procuro um verso e tropeço n’outro!

Tento seguir a linha, mas ando trôpego!

E descalço!




"Mulher com chapéu", Di Cavalcanti, 1940.


O tempo passa


O tempo

O tempo dos nossos pais

O tempo juvenil

O tempo das crianças


passa

passa em lento soluçar

passa súbito sem pensar

passa quando menos esperar


num apagar...

num despertar...




"The Persistence of Memory", Salvador Dalí, 1931.

A tosse


Tosse, tosse, tosse

A incessante repetir

Tosse, tosse, tosse

Ainda a insistir

Tosse, tosse, tosse

Sem sarar a persistir

E eu, insone, aqui

A assistir, a assistir

Meu filhinho tossir!



"A Maternidade", Pablo Picasso, 1901.