Pólen

"Alfafa, La lucerna", Seurat, 1886.

reticentes ao vento
vão-se suas partículas serenas
não pousarão em nenhuma pétala
não semearão nenhum botão
nem sentirão o seu néctar
apenas dissiparão no tempo
o silêncio da açucena...

Cisco


esse cisco
em meu íntimo
sucinto, ínfimo
eu insisto e cismo
só sinto sísmico
infinito

"Self-Portrait", Van Gogh, 1889.

Percevejo


eu percebo
eu vejo

e dói

"Dânae", Klimt, 1908.

Terra



quisera estar sem fronteiras
sem molduras, sem celas

_loucura!, diriam: barreiras
e cancelas abertas...

na minha algibeira
somente a chinela (extra)

sem eira nem beira
o planeta seria a esfera!


"Light and colour", William Turner, 1843.

"Muitas vozes"


eu não queria escrever apenas
aquilo que se vê

eu não queria apenas falar
sobre aquilo que há

eu queria mesmo era encontrar
uma forma de ferreiragullar


"Le Tombeau des Lutteurs", Magritte, 1960.

Chuva de verão


você não me viu
naquela estação
mesmo sendo verão
e o trem partiu

você não me viu
você não me viu

"Chuva, vapor e velocidade", Willian Turner, 1844.

(g)estação



um anjo ingênuo
sem nome, sereno
semeou gerânios em mim

depois partiu, não germinou
sorrateiro, em silêncio
_ que triste jardim!

"Bouquet of flowers", Chagall, 1970.

Flauta doce


encobrindo
os bueiros do som

com zelo

executando
o mi e o lá
na valsa

sem medo

também o ti
sim! o ti e o fá
na flauta

encantante com
os dedos

f     a     t      t      n     e
   l      u     i     a      t      s


"Girl with a flute", Vermeer, 1670.