Neste Natal
recuso-me a ser superficial
não quero as conversas fáticas
nem as relações fálicas
quero a intensidade, o apego
embora tenha medo
Neste Natal
recuso os preconceitos, o desprezo
quero ser diverso e igual
como verso impresso e digital
como o sorriso negro e virginal
embora seja leigo
Neste Natal
recuso a espera eterna
que me caiba o antigo jeans
a crença de que a ortografia
com o trema melhor ficaria
e a coluna do meio, pois sou inteiro
Neste Natal
recuso-me a ser posseiro
não tenho fama nem dinheiro
quero andar descalço na grama
mas sem pisar no formigueiro
dar boas vindas à mudança
pois é chato ser o mesmo
Neste Natal
recuso-me a me depreciar
se eu não me poupar, quem o fará?
aprendi que se amar não é só incumbência
mas também sobrevivência
nisso eu creio
Neste Natal
quero um novo lema
apesar das perdas, tudo me acena
não quero a pena nem a queixa
nada que me anoiteça
ainda que seja o final da cena
e o umbral do poema...
"A Sagrada Família Canigiani", Rafael, 1508.