Esteve em cartaz, na semana passada, o espetáculo “Álbum de família" dirigido por Mônica Ribeiro e Carlos Gradim. Baseado na obra do nosso maior dramaturgo, a tragédia escrita em 1946 por Nelson Rodrigues, polêmica por motivos óbvios, é, a meu ver, um “retrato" do que seria um universo único e isolado da sociedade. A narrativa se passa em uma família que vive em torno de si mesma, e no seu interior obsessões incestuosas ocorrem, sem a interferência de nenhuma instituição social ou intervenção de outrem alheio àquele núcleo. Configurando um espelho mediante a atuação simultânea de duas famílias, a peça conseguiu “mostrar” bem a discrepância entre o que se fala e o que se sente, pois enquanto uma delas verbalizava a outra sentia, refletindo assim as diferenças existentes nesses âmbitos. Igualmente, a peça transpõe o nosso constrangimento íntimo, tudo o que se passa na esfera da individualidade causando em nós o desconforto habitual do ciclo “teatro desagradável”.
Penso que, por muitas vezes, o caráter obsceno da obra de Nelson Rodrigues ofuscou quase completamente seu talento literário. Como leiga, só ouço falar do "anjo pornográfico", mas como estudante de Letras apesar da academia não privilegiar de modo algum a literatura dramática, penso que as estratégias de sua escrita foram injustamente desconsideradas pela imprensa ou pelas comunidades acadêmicas. De fato, a peça encenada
Encenar Nelson Rodrigues nos dias de hoje é uma maneira de resistir no campo das relações sociais, mas, sobretudo no campo das artes literárias. É lamentável que a aptidão notável do escritor ainda não tenha o devido espaço nessa sociedade preconceituosa que peca por ignorância...