Acerca da Loucura

“(...) Mais louco é quem me diz

E não é feliz, não é feliz!”


Há dois dias estive no encerramento da 1ªMostra de Arte Insensata realizada pelos Centros de Convivência de portadores de sofrimento mental. Os centros visam ao restabelecimento dessas pessoas na sociedade. O evento foi curioso porque ocorreu um fato estranho para nós, aprisionados. Bem no meio da multidão uma pessoa literalmente tirou as calças e acocorou-se para defecar enquanto o Tom Zé, performático, executava o seu show, não menos extraordinário. Nessa hora, as atenções não estavam voltadas para ele. No entanto, nós todos ditos “normais”, ficamos a observar aquela cena, aparentemente sem risos nem choques. O que não quer dizer que não houvesse de nossa parte certa repugnância pelo ato, afinal somos “normais”. O interessante é que as colegas da mulher começaram a batê-la e recriminá-la pelo ocorrido, o que me fez pensar momentaneamente que “trocamos as bolas”. De fato, “alguma coisa estava fora da ordem mundial”. Logo depois, contrariando esse pensamento concluí: trocamos sempre, de humor, de roupa, de lugar. E nessa troca, pendulamos entre a razão e a loucura; entre a sobriedade e a embriaguez; entre a honra e a insensatez. Acerca desse último estado indesejado, debrucei-me sobre o seu conceito no dicionário Prático da Língua Portuguesa. Encontrei alguns significados interessantes como: “imprudência”, “temeridade” e “extravagância“. Essas definições estão bem mais próximas da nossa vida do que a “alienação mental com modificação profunda da realidade”. Todavia, não encontrei algo que me parecia mais apropriado para o tresvario considerado na esfera social. A meu ver, a loucura está imbricada com as questões de adequação, adaptação e conformidade na sociedade. Ou seja, todo aquele que não se enquadra muito às leis, às normas religiosas, sociais e culturais “encaixa-se” nesse universo desvairado. Mas todos nós em algum momento estamos fora de footing (enquadre) linguisticamente falando. Quem nunca chorou quando todos esperavam um sorriso, ou vice-versa? Quem nunca “berrou” contra a palavra mais doce do mundo? Quem nunca calou na hora que deveria falar? Ou falou na hora que deveria calar? O louco tem a liberdade plena! Não estou levantando bandeiras aqui. Sem mediações, não existiriam possibilidades de convivência. Entretanto, como seria bom que entrássemos em contato com esse lado infantil, primeiro, esquecido pelos anos de domesticação social. Como seria bom viver sem autocensuras, sem auto-reprimendas... O louco é totalmente livre. Não há barreiras que o impeçam. Pode-se até mesmo ser Napoleão! E travar batalhas com moinhos de vento! Sem os loucos, não haveria literatura! Além dos visionários, ainda há os alienados, os mentecaptos, pra não falar dos utópicos! Um médico uma vez me disse que a linha entre a sanidade e a loucura é muito tênue e que ela poderia se romper em um instante de fragilidade psíquica. Talvez essa decisão de “blogar” esse fato tenha sido uma pequena ruptura. Ou não. Decidam vocês! (...) A propósito, a Mostra foi linda!

7 sorveram o néctar:

Ariane Rodrigues disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Maze Rodrigues disse...

Loucura, loucura, loucura...

Existe loucura maior do que considerar-se normal?
...'de poeta e de louco todos temos um pouco...'

A mostra deve mesmo ter sido uma grande festa para os (A) normais.
( e como os loucos (?) vou me dar o direito de rir:hahahaha!

Unknown disse...

Ari, muito linda sua reflexão sobre a arte insensata!!! Pq o que seria a insensatez diante da normalidade?

Isabelle Rabelo B disse...

Realmente,flor; (o taAal-au-Au!) do discurso não-autorizado é sem dúvida a liberdade às vezes almejada pelos normais. Quem nunca riu dos devaneios de uma criança ou daquele esquisito do ônibus?

Eu queria ser louquinha
assim, Sa a abe bé???
Para ter a chance de (ler vc falar) tão bem de mim aqui,nesses textos fo óóó... rtes e divinamente escritos; como todo louco merece.

Oi.

Unknown disse...

Muito interessante esse ocorrido e mais surpreendente a forma de como vc transcreveu do fato às palavras. Essa sociedade infame q ñ perdoa quem ñ se enquadra nas suas regras .... Mas eu ainda vou ler um livro seu minha querida e autografado ainda por cima viu eheheh.
Continue nos deleitando c suas reflexões e críticas vc tem futuro moça, um beijo

Unknown disse...

Seu texto tem muita razão, ou seria loucura, a palavra adequada?

Nildo.

disse...

Ariane, pela primeira vez encontrei duas coisas inéditas em seu blog: a prosa ao invés do verso (igualmente bem escrita) e essa interação com um problema social tão perturbador para nós "normais", que parece fugir a qualquer poesia, de fato, não sabemos lidar com o estranho, com o novo ou o desconforme. Blogar tem sido uma chave para mim em muitos aspectos, costumo dizer que tem sido uma terapia, pois, vejo que toda pessoa necessita encontrar-se no limiar da razão e da loucura, sem contudo, viver uma ou outra na plenitude: ninguém é 100% isso ou aquilo, somos uma "incógnita" como bem descreveste num de seus poemas. Bjins e até mais!